A vida é curta, mas nem tanto. Conciliando expectativa de vida, trabalho e etarismo.

 


É muito comum ouvirmos alguém dizer que "a vida é curta", como explicação ou justificativa para determinados comportamentos. Acontece frequentemente quando o assunto é planejar a vida para o futuro. Isso porque agir para ter um futuro mais previsível muitas vezes implica em abrir mão de algo que se poderia viver no presente.

Tempos atrás, o planejamento para uma carreira seguida de uma merecida aposentadoria consistia predominantemente em apostar em um emprego estável, que duraria por toda a vida, ou na pior das hipóteses, por longos anos. A etapa seguinte seria o justo e merecido ócio nos anos que restavam, após uma vida de trabalho. Importante dizer que esse cenário se refere à maioria esmagadora da população, a “classe” trabalhadora, constituída por proletários.

Alguns fatores contribuíram para a construção de um estilo de vida desse público.  O país, logo após a grande depressão de 1929 precisou alavancar seu desenvolvimento e a indústria mostrou-se a saída para uma economia combalida, tendo como força motriz a mão-de obra predominantemente de operários. Esse foi um dos aspectos da industrialização do Brasil, que teve como marco o início da era Vargas, em 1930, prosseguindo com Kubistchek.

As leis trabalhistas se desenvolveram, proporcionando maiores direitos e garantias que permitiram uma razoável “estabilidade”, principalmente em empresas mais sólidas e longevas. Uma parte considerável desses empregos se encontravam nas indústrias, que por um período, pelo menos até a metade da década de 1990 estiveram em franca expansão. Porém esse cenário mudou. Com a abertura de mercado, muitos empregos foram ceifados e mais recentemente as reformas retiraram direitos, precarizando o trabalho.  

Como conciliar o aumento da expectativa de vida com o cenário de desemprego, aposentadorias mais distantes e o etarismo?

Outro fator relevante é a expectativa de vida, que paulatinamente se modifica influenciada por um conjunto de causas, como: índice de violência, educação, saneamento básico, fatores ambientais, qualidade da alimentação e serviços de saúde. Em um período em que ocorrem grandes epidemias ou pandemias, como é o caso da COVID-19, a expectativa de vida tende a sofrer decréscimo, mas depois retoma sua trajetória. 

Outros fenômenos socioeconômicos acabam afetando de maneira direta os planos para o futuro. Políticas públicas voltadas para o bem-estar social se desenvolveram ao longo do tempo, tendo como marco importante os direitos de cidadania consolidados pela Constituição Federal de 1988. Porém, como ocorreu em outras partes do mundo, no Brasil as tendências liberais e neoliberais pressionam pela redução das políticas sociais.

Mais recentemente, as mudanças no sistema previdenciário e das leis trabalhistas seguiram essa tendência, pegando o (já sofrido) proletariado no contrapé. Isso ocorre no momento de maior expectativa de vida e de desemprego, junto a outros fenômenos, dentre eles a entrada mais tardia dos jovens no sistema educacional e no primeiro emprego. As aposentadorias já obtidas muitas vezes são o único sustento de uma família inteira.

Segundo o IBGE, o número de aposentados provedores cresce significativamente no Brasil. Em 2015, 17 milhões de idosos já eram responsáveis pelo sustento das famílias.

Uma boa notícia também vem do IBGE. A expectativa de vida ao nascer, no Brasil, aumenta gradativamente, passando em algumas décadas de 45 para 77 anos. A má notícia é que, mais recentemente, novas aposentadorias tornam-se quase inatingíveis, junto a um mercado de trabalho que discrimina pessoas acima de 50 anos. Junto às aposentadorias tardias, redução de vagas e famílias dependendo dos idosos, implica dizer que é preciso que empresas repensem a gestão de pessoas.

O Estado, por sua vez, precisa repensar as políticas públicas influentes no bem-estar social, principalmente aquelas voltadas para a formação de jovens e sua entrada no mercado de trabalho, a assistência social a famílias desprovidas de renda e o combate ao etarismo. Afinal, pessoas não têm prazo de validade, diferentemente da concepção ainda predominante.

Como considerar o cenário atual em que nos deparamos com uma expectativa de vida maior, todas as mudanças em políticas sociais e de mercado? A realidade é que muitas coisas mudaram e muitos ainda não se deram conta das implicações. Uma delas é a forma como indivíduos e suas famílias vão sobreviver por mais tempo, preservando sua qualidade de vida.  

Atualmente, o termo "a vida é curta" precisa ser repensado. É comum pessoas com 50 anos ou mais verem sua experiência e conhecimento sendo desconsiderados em função da idade. Indivíduos, sociedade e organizações perdem muito com o etarismo, que em outras palavras é o preconceito e discriminação em relação às pessoas que tiveram o privilégio de viver mais. É urgente essa mudança de comportamento.

Na contramão, uma grande população de sapos pulula nas panelas de água quente, esperando que tudo se ajeite, mas isso não vai ocorrer sem mudanças sociais e organizacionais profundas. Entretanto, mudanças comportamentais e sociais demoram, pois dependem de ações coletivas e novos arranjos institucionais. Por isso é preciso repensar o plano individual e familiar.

A vida pode até ser curta, mas espera-se que não seja. Quanto mais vida e qualidade de vida, melhor.

A formação do indivíduo,  sua busca pelo autodesenvolvimento e vislumbrar os anos vindouros deve ser repensada o mais cedo possível.  Não se trata de atingir um objetivo imediato ou de meritocracia, mas de uma mudança de atitude e nisso a educação pode ajudar, e muito. Trata-se da ampliação dos horizontes culturais e de preparação o futuro, em uma perspectiva de cidadania, de coletividade e com um horizonte mais amplo, em direção à responsabilidade social.

Você conhece ou já vivenciou experiências relacionadas a este artigo? Aproveite para comentar e compartilhar.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Contratação de psicólogos e Assistentes Sociais para as Escolas Estaduais de MG - Inscrições iniciam em 28/01/2022

Liberdade de expressão e redes sociais: quais são os limites?